JUIZ E PASTOR

No primeiro semestre de 1983, estava eu assumindo a 2ª Vara Distrital de Itaquera, na Capital. Itaquera é o último Bairro de São Paulo, pelo lado leste, dividindo com Ferraz de Vasconcelos, pela linha da antiga Central do Brasil.

Tão longe (30 e tantos quilômetros a partir do Terminal Rodoviário do Tietê) que era comum chegar até nosso Cartório Distribuidor Cartas Precatórias para serem cumpridas na Comarca de Itaquera.

A Vara tinha competência cumulativa, para feitos cíveis, criminais e de família.

Dos processos crimes eram excluídos da competência das Varas Distritais os processo apenados com reclusão, do Júri, Execução Criminal, e de Família os inventários em que houvesse testamento. Hoje Itaquera é Fórum Regional, com varas especializadas (cível, criminal e família).

Numa determinada tarde, realizou-se a audiência de instrução e julgamento, em que a mãe movia ação contra o marido e o filho menor, com o fim de regulamentar seu direito de visita.

A mulher, na Separação Judicial, reconheceu que havia traído o varão, pai do garoto de uns quinze anos.

Na véspera eu estudava o processo, como fazia rotineiramente, e já antevia a dificuldade que seria a Instrução (oitiva das partes e das testemunhas), assim como a Tentativa de Conciliação, e a Sentença.

Quando se trata de adolescentes, a questão envolve, em grande parte, a vontade dos filhos, cuja visita pretende um dos pais regulamentar.

Acrescente-se, ainda, a extrema dificuldade de executar a sentença: conduzir o adolescente até a casa do genitor ou genitora, por exemplo, quando este não quer visitar nem ser visitado.

Falando-se de criança pequena, até 5/6 anos, a dificuldade é menor, quase sempre causado pelo genitor que detenha a guarda do infante.

No caso, o jovem residia com o pai. Procurei ouvi-lo, informalmente, e este mostrava-se irredutível. Não queria, porque não queria, visitar a mãe.

O garoto era aluno do Colegial, bem articulado, fiel de certa Igreja Evangélica, onde tinha relevantes atividades, principalmente de integrar a banda, como executor de instrumento de sopro, não me lembro qual seja.

Depois de alguma conversa, disse-me o rapaz que não queria visitar a mãe porque ela era pecadora, por ter traído seu pai, unindo-se a outro homem.

Ocorreu-me, por certo iluminado pelo Todo Poderoso, ponderar ao meu interlocutor, certo que, sendo ele crente na palavra de Deus, não teria porque não perdoar sua mãe. Lembrei-lhe que o cristão perdoa setenta vezes sete, ou seja, infinitamente.

Não me lembrei na hora, mas a lição encontra-se em Mateus, 18:21 e 22, na Sagrada Escritura.

O fato é que o rapaz, quiçá sensibilizado pelo meu argumento, e após consultar seu pai, presente à audiência, concordou em visitar a mãe, semanalmente, na casa de sua avó materna.

Não era exatamente o que a mãe queria, mas deu-se por satisfeita. E a todos lembrei que o casal estava separado um do outro, jamais do filho, que haverá de ser amado, em igual intensidade, pelo pai e pela mãe.

Finda a audiência, homologado por sentença o Acordo, com o qual concordou o doutor promotor, o rapaz dirigiu-me a seguinte indagação: “o senhor é Pastor?”.

Evidentemente, disse-lhe que, às vezes, era pastor. Não quis decepcioná-lo em dizer que, sendo católico, o máximo que poderia ser, seria padre.

Não escondo que fiquei bastante emocionado, com o resultado e com a solução do conflito.

 

Irineu Carlos de OLIVEIRA PRADO

Desembargador Aposentado (TJ/SP).

Advogado militante nesta Comarca.

e-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

Publicado em 11/09/2017, Jornal Cidade, Página 02.

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