VALOR DA EXPERIÊNCIA

Pode ser conversa de idoso. Mas a experiência, ainda que buscada no proceder de outrem, é válida. A situação nova bem pode não ser de todo igual à pretérita. Mas certos contornos, na busca de solução proveitosa e útil, comportam aproveitamento.

Logo depois da aposentadoria na Magistratura, e início de minha atual fase como advogado, em 2.000, fui procurado por certo trabalhador e seus familiares, em desespero. Tinham recebido ordem para desocupar sua pequena casa, por força de uma decisão judicial, que acolheu pedido de reintegração de posse, ajuizada por parente, antigo proprietário.

Este parente – com amizade rompida – notificara meu cliente para que se demitisse da posse do imóvel, e sem que isto se desse, ajuizou Ação de Reintegração de Posse, sendo que o Magistrado deferiu a reintegração liminarmente.

O cliente recebera o terreno como presente de casamento, fazia mais de vinte anos, por doação verbal, e a casinha foi construída em mutirão. Para compor a área mínima exigida pela Prefeitura, adquiriu alguns metros quadrados do doador, pagando contra recibo simples.

Com toda pressa, tratei de apresentar defesa, objetivando a princípio, que a medida liminar fosse revogada, já que o assistido e sua família residiam no imóvel em tempo mais do que suficiente para que pudessem reivindica-lo para si, através de Usucapião. Significando isto, como se sabe, a perda da propriedade pelo abandono do proprietário. Acrescentei que, além do mais, parte do terreno havia sido adquirida por documento particular.

A Medida liminar foi revogada e o processo estava tendo regular tramitação quando me dei conta de que, julgada improcedente a Ação Possessória, o assistido continuaria sem título de propriedade.

Foi então que me ocorreu o ajuizamento de Ação de Usucapião perante o mesmo Juízo, e para decisão conjunta, visando que, ao julgar improcedente a Ação Possessória, o Magistrado declarasse o assistido e esposa proprietários do imóvel, beneficiados pelo instituto do Usucapião. O que acabou acontecendo.

Não agisse assim, o assistido e família não seriam afastados do imóvel, mas também não teriam, praticamente no mesmo processo, a propriedade devidamente reconhecida, e com registro no Cartório Imobiliário.

A providência tomada, de todo necessária, talvez para outro colega fosse até normal. Porém, comigo não o foi.  Só me animei a tanto quando me lembrei do que ocorreu com meu já falecido pai.

O fato a que me reporto deu-se por volta de 1.956, e me foi contado posteriormente. Meu pai era Chefe de Trem na Companhia Paulista de Estradas de Ferro, e licenciado para o exercício de cargo na diretoria do Sindicato, com salário pago pelo órgão de classe.

À época ainda existia a Estabilidade no emprego, a trabalhador com mais de dez anos na mesma empresa, caso de meu genitor. O trabalhador estável só poderia ser demitido por justa causa, provada em Inquérito Judicial Trabalhista.

A Ferrovia, visando livrar-se de trabalhador ligado ao sindicalismo, ajuizou o Inquérito, o que implicou em seu afastamento do serviço, sem vencimentos.

Como recebia dos cofres sindicais, a improcedência do Inquérito – que acabou acontecendo – nada custaria para a Estrada de Ferro. Foi então que o velho Irineu, orientando-se com seus advogados, solicitou seu retorno ao trabalho, o que foi negado, implicando que a Paulista fosse condenada a pagar seus salários, devidos enquanto durou o processo trabalhista, economizando razoável valor para os cofres sindicais.

Do contrário, como no caso do imóvel, o empregado vencendo no Inquérito, nada perderia a ferrovia. Em resumo: usei da experiência paterna, ao ajuizar a Ação de Usucapião.

O Autor é Advogado militante na Comarca de Rio Claro (OAB/SP 25.686) e Desembargador Aposentado (TJ/SP).

E-MAIL: oliveiraprado@aasp.org.br

Publicado em 07/03/2024,  Jornal Cidade (Rio Claro/SP), Página 02.

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