UM CAPRICHO

Não me canso de dizer, cada vez que me utilizo de computador, para edição de texto (uma das poucas utilidades que consigo, sofrivelmente, desfrutar)  a maravilha que me representa a informática.

A possibilidade de corrigir os erros, sem datilografar toda página (como os mais antigos, inclusive eu, cansaram de fazer), de arquivar o texto, editar, imprimir com as múltiplas fontes e recursos (tamanho, negrito, sublinhado, itálico, etc., etc.), muito me encanta.

Os jovens que trabalham comigo devem estar cansados de ouvir esta minha afirmação de coisa maravilhosa, no que para eles não passa de trivialidade.

E sempre que vejo um texto impresso, por mim ou pelos meus colaboradores, não posso deixar de me lembrar da estória que aparecia em meu livro de “Português no Ginásio – Gramática e Antologia” de Raul Moreira Lellis (Cia. Editora Nacional – pág. 118/122, 18ª edição, 1958), utilizada na minha 1ª série ginasial em1959.

O conto tinha por título “Um Capricho”, que constou no livro “Histórias Brejeiras” de Artur de Azevedo (1855 a 1908).

Lembro-me, e agora melhor, porque acabo de encontrar o livro em minha desorganizada biblioteca, que a heroína Zulmira prometera autorizar que sua mão pelo protagonista Epidauro Pamplona fosse pedida a seu genitor, apenas se o seu nome aparecesse em letras de forma. E isto só seria possível no jornal da capital, ou seja, Rio de Janeiro.

O apaixonado fez de um tudo para que isto viesse a ocorrer: escreveu cartas com notícias de sua pequena cidade, mandou escritos ao periódico (que também foram recusados, sem referir a seu nome). Fez doação para entidade pia em campanha, através do jornal, que publicou seu nome incorretamente.

À redação, em pessoa, queixou-se dos serviços ferroviários, o que não mereceu qualquer atenção dos redatores da folha.

Apoderou-se de um queijo à porta de uma venda, e a autoridade policial entendeu que se tratou de estudantada, não registrando a ocorrência, sem que os fatos e seu nome fossem publicados.

Não teve coragem para suicidar-se, o que seria notícia publicável.

Antes escreveu versos para o periódico, que apenas publicou: “Sr. E. P. não seja tolo.”

Enfim, o nome do apaixonado só foi aparecer em letras de forma quando passou a figurar no obituário.

Vejam como os tempos mudaram. Fosse hoje, não haveria a menor dificuldade para o candidato à mão da donzela tivesse seu nome em letra de forma. Em contra partida, nenhuma haveria de impor tão singela condição, quiçá de impossível cumprimento no idos imperiais, quando os fatos ficcionais se deram, e não havia sequer as hoje jurássicas máquinas de escrever.

Além do que, isto de pedir a mão do pai da namorada em casamento, salvo melhor juízo, já era fora de moda ao menos quando de meu primeiro casamento, em 1973.

 

Irineu Carlos de OLIVEIRA PRADO

Desembargador Aposentado (TJ/SP).

Advogado militante nesta Comarca.

e-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

Publicado em 24/08/2017, Jornal Cidade, Página 02.

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