O BODE DO MACHADEIRO

Este caso é  reportagem da “Cidade de Rio Claro”, edição de 22/10/75, e diz respeito ao processo crime nº 276/74, do 3º. Ofício, 1ª. Vara desta Comarca, com sentença da lavra do saudoso Dr. Luisinho Arruda, o qual com toda certeza já está designado pelo Senhor  para presidir alguma Turma Julgadora, no Juízo Final.

Izidoro, era sócio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, para quem em prestei serviços até 1978. Tratava-se de um senhor dos seus 40 anos, alto e forte. Muito forte. Suas medidas deveriam ser de 1,90 x 1,90 metro de músculos construídos pelo seu trabalho de machadeiro. Segundo Abel Rodrigues de Camargo, que presidia o Sindicato, o homem era campeão no corte de lenha a machado (moto serra ainda era coisa rara). Cortava no machado perto de vinte metros cúbicos de lenha por dia de trabalho. Tipo inesquecível, também pelo seu modo de  falar, manso e gentil, como se fosse criança educada. Sempre estive convencido de sua inocência.

Havia contra si Inquérito Policial, dando-o como autor do furto de um “bode peludo de cor branca e preta”, que ele jurava ser seu desde que nasceu. Era no seu dizer, “criolo” de sua casa.

A Denúncia  foi recebida. Após, deu-se a instrução do processo (no rito de então), com interrogatório, defesa prévia, oitiva de testemunhas de acusação, testemunhas de defesa, perícia por médicos veterinários, informação de que o caprino, sob depósito do réu, morrera envenenado, alegações finais das partes, e pedido de absolvição formulado pelo Dr. Alcyr Menna Barreto (promotor, igualmente saudoso) e, por fim, sentença absolutória.

O inusitado, e que levou o fato à publicação na imprensa local, foram o teor do parecer do Promotor, e da sentença absolutória.

O doutor Alcyr, ao final, afirmou referindo-s ao bode  (“o qual, sem aguardar o deslinde da questão, acabou falecendo”), concluiu: requerendo a absolvição do machadeiro, nos seguintes termos: “Melhor que não se gaste mais papel com tão mau defunto. A dúvida favorece o acusado que, aliás, se incumbiu do seu enterro.”.

Como defensor, assim me manifestei: “O dito bode, e que tanta confusão ensejou, que tanto ´bode´ deu, efetivamente, sempre foi do acusado, como ficou suficientemente provado.”

Por seu turno, o Dr. Luisinho, não deixou por menos. Decretou a improcedência da ação penal, absolvendo o acusado  de forma igualmente insólita: “O réu afirma que o bode era seu, a vítima contraria dizendo que o animal lhe pertencia. A prova testemunhal e, igualmente, a pericial, não trouxeram para os autos dados precisos  com referência ao dono verdadeiro. Enquanto isso, no decurso do processo, o bode faleceu. Parece que foi esta a melhor solução, uma vez que poderia ocorrer uma injustiça, pois, no caso, não se aplicaria bem a justiça salomônica por ausência de amor maternal. Afinal de contas, merece especial relevo a conclusão do Dr. Promotor: ´melhor que não se gaste mais papel com tão mau defunto´ (fls. 58v.), e acrescente-se que o próprio bode não resistiu a discussão a respeito de quem fosse seu amo. A dúvida favorece o acusado que, por sinal, arcou com as despesas do ´enterro´”.

 

Irineu Carlos de OLIVEIRA PRADO

Desembargador Aposentado (TJ/SP).

Advogado militante nesta Comarca.

e-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

Publicado em 27/08/2016, Jornal Cidade, Página 02.

 

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