A LENDA ÁRABE DO DOUTOR PAULO.

Por volta de 1982 tive a honra de ser designado como Juiz de Direito Auxiliar da Capital para trabalhar no então Foro Distrital da Casa Verde que, anos depois, foi remanejado, assim como todos os da Zona Norte da Capital (Casa Verde, Tucuruvi, Vila Maria e Santana), no Foro Regional de Santana, com mais de vinte varas especializadas (cíveis, de família, criminais e da Infância e Juventude). E que hoje é sediado no Bairro do Limão, na mesma avenida em que fica a sede do Estadão.

Nos foros distritais, as varas não eram  especializadas, e, numa praxe mais ou menos geral, cabia aos Juízes Auxiliares, despachar processos crimes, e presidir audiências criminais, também.

E eis que, numa tarde, naquele prediozinho da Rua Jaguaretê,  bem na rota de cabeceira da pista do Campo de Marte, estava eu a presidir uma audiência criminal, para ouvir o Doutor Paulo Maluf, então Deputado Federal, que era vítima de um crime de imprensa. E as varas da Casa Verde como acontece hoje com as criminais de Santana   têm grande número de feitos relativos a crime de imprensa, pois em sua jurisdição encontram-se as sedes da Editora Abril e do Estadão.

O réu, que não compareceu,  tinha dado publicidade se a memória não me trai a entrevista relativamente a negócios supostamente favorecidos pelo BNDES em favor de familiares da vítima.

Lembro-me bem que o Doutor Paulo fazia-se acompanhar de seu advogado Doutor José Aranha, e que o promotor, com designação especial da Procuradoria de Justiça, era o Doutor Tucunduva, um dos diversos integrantes dessa ilustre família com vários membros no Ministério Público e na Magistratura, todos brilhantes.

O certo é que, findo o depoimento da vítima, Doutor Tucunduva, já em momento de informalidade, achou de perguntar ao Doutor Paulo como estava a sua atividade parlamentar, em Brasília.

Sentindo-se à vontade, Doutor Paulo disse que se considerava embaixador de S. Paulo na Capital Federal, que fazia de tudo para atender aqueles que o procuravam, fossem do governo estadual, fossem do povo. Ia pessoalmente a todos os ministérios ou repartições, tudo para solucionar com rapidez as questões que lhe eram postas, sempre  no mais alto interesse de S. Paulo.

E ante a tolerância do Magistrado que presidia a audiência, até porque era a última da tarde, pediu licença para contar uma lenda árabe.

Dizia a lenda que um xeique fora convocado para comparecer ao que corresponderia ao Fórum de sua aldeia, demandado que estava sendo por um desafeto. Cuidou de procurar por pessoas, suas conhecidas, que pudessem acompanhá-lo, para testemunhar em seu prol. O primeiro convidado recusou de pronto. O segundo o acompanhou até a porta de entrada do Tribunal, e apresentou uma desculpa qualquer para ausentar-se. Somente um o acompanhou até o Alvazir que o convocara.

E o próprio Doutor Paulo, sem pausa, incumbiu-se de dar o significado da lenda, que lhe era aparentemente favorável.

Segundo o narrador, com a morte, os bens materiais não acompanham ninguém. Os amigos acompanham o falecido até à porta do cemitério, no máximo até à beira da sepultura. Mas até à presença do Supremo Julgador, o Homem só é acompanhado por suas boas ações.

Em seguida, dei por encerrada a audiência. E agora divulgo a lenda, cujo conteúdo é  uma grande verdade, na expectativa de que nossos políticos não cheguem perante o Supremo Julgador e até lá chegarão um dia sozinhos e com as mãos vazias  de boas ações.

 

Irineu Carlos de OLIVEIRA PRADO

Desembargador Aposentado (TJ/SP).

Advogado militante nesta Comarca.

e-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

Publicado em 14/07/2016, Jornal Cidade, Página 03.

 

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