PADRE ÁRBITRO.

Uma oportuna palestra proferida pelos doutores José Antonio Remédio e José Fernando Seifarth de Freitas, na Casa do Advogado em Rio Claro, no dia 05 de julho de 2004, sobre Dano Moral, sua indenização e que tais, além de me proporcionar valiosas lições de Direito, permitiu-me lembrar de uma situação que certamente não poderia ser cogitada pelos ilustres conferencistas.

No ano de 1.997, acredito, coube-me, como integrante da 6a. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, onde fui Pingüim [[1]] por vários anos, relatar um processo em que motorista de uma Prefeitura da Alta Sorocabana pleiteava indenização por danos materiais e morais. Estes em decorrência de acidente com veículo por ele conduzido, após ter trabalhado o dia todo e, sem qualquer descanso, ver-se obrigado a dirigir veículo oficial até S. Paulo, a serviço.  A culpa seria da Prefeitura, cujos agentes deram ordem ao funcionário para continuar trabalhando sem descanso. Vencido pelo cansaço, por volta de meia noite, deu-se o acidente que, dentre outros danos físicos ao funcionário, deformou-lhe totalmente a face.

O seu pleito, que já fora deferido parcialmente em primeiro grau, era  de ser indenizado pela redução da capacidade de trabalho, em condenar a Prefeitura no pagamento de cirurgias plásticas reparadoras, e numa indenização pelo Dano Moral, decorrente do sofrimento que lhe representava a deformação.

Como Relator, meu voto dava provimento ao recurso do funcionário, inclusive condenando a Prefeitura a pagar determinado valor como indenização por Dano Moral ao funcionário. A matéria indenização por Dano Moral era nova na época, como na verdade ainda o é nos dias de hoje (já que introduzida, na sua amplitude, pela Constituição de 88) e, conquanto o Revisor e o Terceiro Juiz concordassem comigo [[2]],  o Terceiro Juiz entendia que  o valor da indenização haveria de ser apurado por arbitramento. Ou seja, numa hipótese em que o Juiz, para chegar ao valor devido, vale-se de um perito. Por exemplo:  um corretor de imóveis avalia o valor dos aluguéis de uma residência; um engenheiro apura o valor do imóvel desapropriado;.o Médico informa ao Juiz o custo de uma determinada cirurgia, etc.

Respeitosamente, eu ponderei ao Desembargador que de mim discordava, que o valor da indenização era até módico,  e que eu entendia adequado fixá-lo desde logo, porque seria difícil, quiçá impossível, deixar isto para o Juiz de primeiro grau fazer.

E isto gerou alguma polêmica, e proveitosa discussão. Justamente a que me foi lembrada pela palestra, quando os conferencistas ensinavam que não existe tabela para indenização por dano moral. Claro que algum profissional poderá dizer (por exemplo, um Psicólogo)  se a vítima sofreu Dano Moral, embora na maioria das vezes isto se mostre evidente. Mas o valor da indenização deve ficar ao prudente critério do Juiz.

Mas a discussão seguia, até que a intervenção do saudoso Desembargador Afonso Faro, que não integrava a Turma Julgadora, apresentou um argumento decisivo. Se  era evidente o Dano Moral do funcionário (até bonito antes do acidente, pelo que se podia ver em fotos, inclusive de seu casamento),  perguntava ele ao colega discordante, quem seria o perito do Juiz na distante e pequena Comarca, para dizer o valor da indenização por Dano Moral. Talvez o Padre ? E com base em quais critérios legais?

Mas o Vigário escapou de ser, hipoteticamente, o perito, acabando aceita a minha proposta de se fixar o valor da indenização no Acórdão, e por unanimidade.

De todo modo, o valor da indenização por Dano Moral ainda é um dos mais tormentosos temas do Direito. Os valores — inexistente uma tabela legal — são arbitrados judicialmente, segundo os parâmetros que os Tribunais têm estabelecido. É claro que não se consegue contentar o que pleiteia a indenização, nem o condenado a pagá-la. Busca-se sempre compensar a dor sofrida, até por razões pedagógicas aos causadores do dano, sem com isto enriquecer a vítima. Prometo voltar a escrever sobre isto.

Irineu Carlos de Oliveira Prado

Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de S. Paulo,

e advogado militante na Comarca de Rio Claro.

 

[[1]] – Pingüim é o Juiz substituto de 2o. Grau, designado para substituir Desembargador, como acontecia comigo. Em face do elevado número de processos, em S. Paulo o quadro de substitutos de segundo grau deve ser de aproximadamente uma centena de Magistrados. O apelido  “Pingüim”, segundo se comenta, decorre de duas versões. A primeira delas, que me parece mais verossímil, é a de que o animal Pingüim aparenta nunca se sentar, ou seja,  não tem assento. E, substituir o colega Desembargador, significa assumir a cadeira do substituído na Câmara de julgamento. A segunda seria por conta  de uma Toga diferente que era destinada aos substitutos, há muito tempo,  com umas rendas no peito, que davam ao Magistrado a aparência daquele simpático animal.

[[2]] – Como se sabe, em segundo grau, os julgamentos são colegiados, sendo a Turma Julgadora formada por três Magistrados.

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