JUIZ E TESTEMUNHA

Como já tive oportunidade de contar a meus heroicos leitores  (“A menis um”), fui Juiz Substituto na Comarca de Taubaté, em novembro e dezembro de 1979.

Ocasionalmente um dos velhos causídicos da região, se não o decano deles (cujo nome não me lembro), era convidado a participar do espartano café, dos juízes e promotores.

Vejam como os tempos eram outros: magistrados e membros do Ministério Público  tomavam café juntos, falavam de tudo, e eram amigos.

Numa destas oportunidades, este advogado, de fala mansa e precisa, lembrou-se de um caso ocorrido em Taubaté, nos idos de  1930/40, aproximadamente.

Disse ele que como era comum, ainda que apenas para bater papo, falar mal dos ausentes, fazer negócios, e beber cerveja, as pessoas gradas do município frequentavam a zona alegre da cidade. E sem que isto provocasse o escândalo que seria nos dias de hoje. E o local era escolhido, segundo o advogado, até por falta de outro que fosse adequado para este tipo de conversa.

Era comum encontrarem-se ali o chefe da estação ferroviária, o médico, o farmacêutico, o delegado de polícia, o sargento da Força Pública, o dentista, os fazendeiros, o diretor da escola, o promotor, o Juiz de Direito, etc.

A reunião nada tinha a ver com a atividade principal do estabelecimento, como garantiu o advogado contador do caso, que também lá deveria estar. Bebia-se muito, e falava-se bastante e de tudo.

Acontece, porém, que numa determinada ocasião, um homem que não fazia parte do grupo, e que lá estava em busca do produto principal e pecaminoso da Casa, criou confusão. Por razões que não se soube, a dama não quis saber do cavalheiro, e este, com uma acha de lenha acesa (sim, o fogão era a lenha) marcou a generosa anca da moça, com séria queimadura. Ou seja, produzindo lesões corporais, não se sabendo se leves ou graves.

E não é que, por falta de providências das autoridades presentes, no sentido de encobrir o incidente, ou porque era período de férias forenses, os fatos tomaram vulto: exame de corpo de delito, inquérito policial, denúncia e processo crime.

No Fórum, após interrogatório do acusado, autor das lesões, foram ouvidas vítima, e em seguida as testemunhas de acusação e de defesa (como era o rito da época).

Acontece que a marafona da casa em que se deram os fatos, ao ser inquirida de como estes se deram, respondeu, bem alto e claro: “o que é que você quer saber, você estava lá e viu tudo”.

Não me foi contado o que aconteceu além de risadas dos presentes à audiência, e do embaraço a que o Magistrado se meteu. E, também, não me foi dito como o processo crime acabou.

 

Irineu Carlos de OLIVEIRA PRADO

Desembargador Aposentado (TJ/SP).

Advogado militante nesta Comarca.

e-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

 

Publicado em 01/06/2017, Jornal Cidade, Página 02.

 

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1 Resultado

  1. Analu disse:

    Muito interessante

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