PROVA FUNDAMENTAL (IRINEU CARLOS DE OLIVEIRA PRADO)

Todos os que militam na advocacia, ou mais ainda, todos os operadores do Direito como também se expressa modernamente   sabem como é tormentosa a questão de provar o Direito. Diz-se até que mais importante do que ter razão, é provar que se tem razão.

Como provar, quais os meios de prova, o ônus da prova, a suficiência da prova, etc., são fundamentos essenciais da profissão. Muitos são craques nisto, como muitos são verdadeiros pernas de pau, conforme a ocasião, a oportunidade, os elementos fornecidos pelos patrocinado, etc.

Mas o fato que hoje relato diz respeito a como um colega ex-adverso, por não aplicar adequadamente o fundamento acima referido, permitiu um resultado favorável a meu cliente.

Tratava-se de uma reclamação trabalhista contra a extinta Usina Santana S/A e contra um empreiteiro de mão-de-obra da empresa, desses tipos sem idoneidade financeira, que ainda são chamados de “Gatos”. Isto por volta de 1978.

O Trabalhador Rural, cortador de cana, estava sendo assistido pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Claro, então presidido pelo senhor Abel Rodrigues de Camargo, um dos mais sérios e operantes dirigentes sindicais que conheci, tendo este que escreve como seu advogado.

A situação do trabalhador e reclamante era bastante difícil. Não dispunha ele de anotação em carteira de trabalho, nenhuma cópia de recibo salarial, e compareceu à audiência na então Junta de  Conciliação e Julgamento do Trabalho desacompanhado de qualquer testemunha.

Ou seja, não dispunha de elementos para provar que trabalhara na Usina, por quanto tempo, quanto era seu salário, nem que fora despedido sem justa causa, para que pudesse receber aviso prévio e outras verbas decorrentes da despedida injusta.

Iniciada a audiência, a Usina Santana, muito bem representada pelo falecido Doutor Francisco Pinto da Fonseca, grande profissional, na época, e em todos os tempos desta Comarca, apresentou defesa negando a relação de emprego com o trabalhador, a qual seria com o empreiteiro. Evidentemente não declinarei o nome do empreiteiro, nem de seu advogado, também já falecido, e de saudosa memória.

O “Gato” apresentou defesa, negando que despedira o trabalhador, que este trabalhara apenas alguns dias, etc. O Juiz Presidente (na oportunidade,  a Justiça do Trabalho era um órgão colegiado: um Juiz de Direito a presidi-la, e dois Vogais, representando os empregados e os empregadores), Doutor João Carlos de Araújo, até pouco tempo vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2a. Região, em S. Paulo, tentou a conciliação entre as partes, sem êxito.

Não posso deixar sem registro que Doutor João Carlos, pelo seu saber jurídico, pela sua paciência e êxito em tentar a conciliação entre as partes, por suas sábias decisões quase sempre confirmadas pelo Tribunal e também pela sua simpatia pessoal e maneira educada de a todos bem tratar, (partes, advogados e funcionários) deixou saudades no foro trabalhista de Rio Claro). Os advogados  mais antigos (anos de 70 e 80) sempre o tiveram como paradigma do Juiz Trabalhista ideal.

Mas o que interessa é que  o Doutor João Carlos, vendo que não haveria possibilidade das partes se conciliarem , colhidos os depoimentos pessoais das partes, propôs que a audiência fosse encerrada, e isto de uma forma pouco sutil. Sabendo que o reclamante não dispunha de testemunhas, indagou dos advogados dos empregadores, de forma bem insinuante: “Os senhores não pretendem ouvir testemunhas, certo?”. O Doutor Francisco Pinto da Fonseca, advogado da Usina, e calejado pelos muitos anos de advocacia, de imediato, disse que não desejava ouvir testemunhas. O advogado do “ Gato”, cujo nome, assim como de seu cliente me permito omitir,  por outro lado, foi incisivo:  “Pretendo ouvir testemunhas, trata-se de uma prova fundamental.”

Ora, se cabia ao meu cliente provar suas alegações, como regra elementar de direito processual, tal resposta surpreendeu a todos e, por fim, acabou determinando a procedência da reclamação trabalhista em prol de meu cliente. As testemunhas ouvidas sem necessidade para a parte demandada encarregaram-se, em seus depoimentos, de fazer a prova que o empregado não conseguira fazer: o período de trabalho, o salário, o despedimento injusto, e tudo mais que era pretendido pelo reclamante.

Realmente, a oitiva das testemunhas foi fundamental. Mas para a vitória do empregado meu patrocinado, felizmente.

(O autor é Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de S. Paulo, advogado militante, e Membro Efetivo da Comissão do Cooperativismo – OAB – Secção de S. Paulo. E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br)

 

 

(C:\Documents and Settings\Icop\Meus documentos\OUVI DIZER\PROVA FUNDAMENTAL.doc 10/02/08)

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