ÁLIBI ASSEMBLEAR.

Meu velho e querido pai — cuja partida para a Casa do Senhor completou dez anos no dia 28 de junho último — foi diretor Secretário Geral do Sindicato dos Ferroviários, com sede em Campinas, de 1955 a 1961, por três mandatos. Eu era garoto, mas bem me lembro: de manhã ele ia até Campinas (de trem, evidentemente), dava expediente na sede, que ainda fica na Rua Cezar Bierremback, 80/90, ao lado da antiga redação e oficinas do Diário do Povo, que na época já era de grande circulação, e concorria com o Correio Popular, na metrópole Campineira..

Oficinas, sim, porque na era pré-informática os jornais eram impressos a partir de formas, para cujo preparo os artistas gráficos utilizavam-se de mecânica, das máquinas de linotipo, etc.  E era-me fonte de grande alegria poder ouvir e ver o funcionamento daquelas máquinas, como me era permitido, na companhia do velho Irineu o qual, pela vizinhança e seu jeitão simpático e alegre, era amigo de todos os gráficos e jornalistas.

Meu pai voltava no  trem de luxo das 19,40 horas, e despachava na Delegacia Sindical de Rio Claro,  até tarde, no mesmo local onde ainda se encontra hoje, na avenida 10, entre ruas 2 e 3.

O período era de muitas lutas reivindicatórias, o que importava em reuniões e assembléias freqüentes, realizadas  em Campinas, sede do Sindicato, e nas cidades ao longo da linha ferroviária.  Existiam ferrovia e ferroviários.

O que nos últimos 20 anos os metalúrgicos do ABC fizeram com muita repercussão (grandes assembléias, greves, etc.), os ferroviários já faziam naqueles anos (55/61). E numa época em que estrada de ferro era o principal, se não o único meio de transporte de cargas e passageiros. Por Rio Claro passavam,  daqui partiam, ou terminavam o percurso (“morriam”, no jargão ferroviário), mais de uma dúzia de composições de passageiros, para o sentido interior. E igual número em destino à Capital.

Os trens de carga deveriam ser em número ainda maior, inclusive de gado bovino em pé. Os grandes jornais de São Paulo chegavam de trem, às 9,00 horas, no P-1. O serviço dos Correios era feito pelos trens de passageiros. Não havia estrada de rodagem asfaltada, praticamente nem se fabricavam automóveis e ônibus no país, e o transporte rodoviário era precário ou inexistente.

Com tais informes, os leitores mais novos podem ter uma idéia do que significava para Rio Claro, e para o Estado e o País, o transporte ferroviário e, entre nós, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Sobre isto, sobre as greves ferroviárias, as grandes assembléias realizadas no Ginásio de Esportes local, e o Sindicato dos Ferroviários, ainda muito haverei de escrever.

Era praxe nos meios sindicais da época, além de publicação de editais no Diário do Povo, quando exigido pelos Estatutos Sociais, divulgar as reuniões e assembléias através de folhetos ou boletins, como eram chamados.  E quantos eu não ajudei entregar nos portões das oficinas de Rio Claro!

Lembro-me que o velho Irineu, quando diretor do Sindicato,  ficou curioso com um associado — de Campinas, ressalto — que sempre aparecia na sede perguntando sobre a realização de assembléia ou reunião sindical, pedindo o respectivo boletim. E a curiosidade decorria do interesse do associado ser apenas pelo boletim, nunca aparecendo no evento divulgado.

Até que um dia, ao pedir por boletim, foi-lhe indagado porque queria saber da reunião, se nunca aparecia.

Então é que se descobriu o real interesse: os boletins eram os álibis para o associado sair de casa sem complicações com sua senhora. Exibido o boletim, a companheira não iria se incomodar que o marido se ausentasse, em busca de informações, e  na defesa dos direitos da categoria.

Esclareço que o álibi assemblear foi utilizado, no que se sabe, apenas em Campinas.

Irineu Carlos de Oliveira Prado

Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de S. Paulo,

advogado militante na Comarca de Rio Claro, e Membro Efetivo da Comissão do Cooperativismo da OAB, Secção de S. Paulo.

 

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