PRIMEIRA SENTENÇA (IRINEU CARLOS DE OLIVEIRA PRADO)

Com certeza, da primeira sentença nenhum Magistrado se esquece.

Nomeado Juiz substituto para a circunscrição judiciária sediada em Taubaté, em novembro de 1979, fui designado para auxiliar o Juiz da Vara Criminal da Comarca, então única, o saudoso Doutor Flair Carlos de Oliveira Armani que, como todos os demais juízes da Comarca, dos quais jamais me esquecerei, tratou-me muito bem.

Inicialmente sentava-me ao seu lado, durante as audiências, acompanhando seu trabalho de presidi-las. Até que num dia, e já na primeira semana, Doutor Flair precisou sair para uma ocorrência no Presídio, convidou-me para acompanhá-lo e eu pedi-lhe para ficar, presidindo as audiências. Afinal eu já advogara por oito anos, o processo penal não me parecia complicado, e o serviço era bastante. Achei mais adequado e proveitoso que eu prosseguisse com as audiências. A partir de então dividimos as Pautas de Audiências e, sempre com sua orientação, tenho que tudo correu bem.

De processos de réus em liberdade para sentenciar havia vários  armários lotados. E doutor Flair, quase que como  se desculpando, passou-me alguns para que eu os sentenciasse. Recomendou apenas que, se eu o desejasse, e permitisse, que ele gostaria de dar uma lida nas minhas decisões. Orgulhoso da tarefa recebida, afinal eu estava em minha fase de aprendizado, embora nada me parecesse difícil, recebi os processos, estudei-os, e proferi as minhas primeiras sentenças.

Com alegria e humildade, fui mostrar-lhe o meu insignificante trabalho.

E não é que logo na primeira, Doutor Flair, com a delicadeza que lhe era peculiar, e com a deferência que eu mesmo não haveria de merecer, pediu-se para suprimir algumas linhas. No  que em nada alterariam a sentença, mas que não estavam adequadas à linguagem do Magistrado. Claro que não tive dúvida em acolher sua recomendação.

Era uma sentença absolutória, em que o réu, comerciante árabe em Taubaté, estava sendo acusado de desacatar o fiscal da Prefeitura e, como havia referências a multas ou propinas, atrevi-me a consignar na sentença que a exasperação do comerciante devera-se a uma possível dor na parte mais sensível das  pessoas daquela nacionalidade:  o bolso.

Hoje vejo que Doutor Flair estava certo. A afirmação suprimida era, mesmo, inadequada. Na verdade vi isto alguns dias depois, quando fiquei sabendo do sobrenome árabe de sua querida esposa.

(O autor é Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de S. Paulo, advogado militante, e Membro Efetivo da Comissão do Cooperativismo – OAB – Secção de S. Paulo. E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br)

C:\Documents and Settings\Icop\Meus documentos\OUVI DIZER\PRIMEIRA SENTENÇA.doc (10/02/08)

 

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