A CEIA DOS CARDEAIS

E não é que consultando a antológica obra de Sebastião Neri (“Folclore Político – 1.500 histórias” – Geração Editorial, 2002), pesquisando para “Férias Presidenciais” (Cidade 13/01/22), deparei-me à página 29, com pequena história (ou seria estória?), a respeito do grande presidente Juscelino Kubitschek, a lenda JK, e que traz ligação com o título deste artigo. Transcrevo-a integralmente.

“Salazar lhe ofereceu banquete em Lisboa. Ao lado sentou-se um velhinho, mastigado nos anos, que puxou assunto de literatura. Juscelino lembrou Diamantina: — Um dos livros de minha infância foi ‘A Ceia dos Cardeais’, de Júlio Dantas. Ainda pretendo homenagear, no Brasil, com um busto, o grande português que foi Júlio Dantas.  — Que foi não, doutor presidente. A divina providência ainda não foi servida de me chamar para seu reino. Era o próprio. Morreu em 25 de maio de 1962, aos 96 anos.”

Ignoro se o busto foi erigido, e se as datas do escritor estão corretas. É certo, porém, que na hora veio à minha vaga e septuagenária memória que, ao tempo do colegial Clássico, no então fabuloso Instituto de Educação Joaquim Ribeiro, tive ligeiro resvalo com o teatro de Júlio Dantas.

É que, sob o incentivo de Dona Vevé, a professora Maria José David Teixeira, querida e eficiente mestra de Português (gramática, literatura e redação), a peça teatral do título foi encenada.

Os Cardeais foram representados pelas alunas Maria Tereza Gimenez, Beatriz Bilac e Liliana Bueno dos Reis. A mim coube o papel de fâmulo (na verdade o garçom), bem adequado ao garoto pobre, filho de ferroviário preso político.

A primeira apresentação deu-se em 1.964 quando estávamos no segundo clássico. Uma reapresentação deu-se em 1.965, com o mesmo elenco. Não me lembro das datas com exatidão. Ambas, muito aplaudidas, no Salão Nobre do Ribeiro.

Vejo, agora, a distância temporal daquelas datas para hoje. E como o tempo é implacável. De lá para cá vão-se quase 60 anos. As meninas inteligentes, muito aplaudidas, são hoje respeitáveis senhoras, profissionalmente realizadas, e quiçá gozando aposentadoria. E eu, não mais novo do que elas, também me acho no outono da existência, já aposentado como advogado e Desembargador. Sobretudo com os cabelos (poucos) enturdilhados.

Como se sabe, nesta ceia os cardeais Gonzaga, Rufo e De Montmorency, em salão do Vaticano, no Século XVIII, trocam confidências sobre amores antes de serem levados à vida sacerdotal. Vale a lembrança do que diz o Cardeal Gonzaga, prestes ao fim da peça: “Foi esse anjo ao morrer que me fez cardeal! E eu hoje sirvo a Deus, a Deus que m´a levou… “

As meninas saíram-se muito bem, dizendo o que cada um dos Príncipes da Igreja tinha a confidenciar sobre seus amores de juventude.

Sinto grande saudade daqueles tempos, embora minha vida pessoal – bem na época — tenha sofrido grande abalo, que já devo ter tratado alhures. Lamento que o contato com as colegas, intérpretes da peça, e com outros do Clássico, tenha sido quase nenhum. Mas a vida impõe a cada qual seu rumo.

A Maria Tereza, recentemente, pude prestar-lhe meus humildes serviços de advocacia; Beatriz conversou comigo quando ela fazia campanha para eleger Fernando Henrique a senador (1.978 ?). Liliana cruzou comigo algumas vezes. Todas elas são credoras de minha profunda bem-querência.

A Ceia dos Cardeais não é de grande sucesso e conhecimento do público, embora mais que centenária, mas é bem um indicador de que  amor, ou a perda dele, bem pode ter consequências vocacionais.

Autor é advogado militante na

Comarca de Rio Claro (OAB/SP 25.686)

E-MAIL: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

 

Publicado em 07/04/2022,  Jornal Cidade (Rio Claro/SP), Página 02.

 

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