COVID & JUSTA CAUSA

Aprendi desde garoto, por informações de meu querido pai (de pouca cultura e muito de sindicalismo ferroviário), há muitos anos na eternidade que, na relação de emprego, o trabalhador se defronta com duas tabelas. Uma de direitos e outra de obrigações.

Ao empregador é vedado desrespeitar o contrato laboral (paga de salários, etc.); exigir trabalho superior às forças do empregado; que o trabalho propicie ao empregado perigo de mal considerável; tratar o empregado com rigor excessivo; prática de ato lesivo ao empregado ou sua família; ofender o empregado fisicamente (salvo em legítima defesa); e reduzir o trabalho de forma a reduzir o ganho do empregado.

A prática de atos referidos no parágrafo anterior permite ao empregado resilir o contrato de trabalho por justa causa (falta grave do empregador), pleiteando as devidas pagas (aviso prévio, multa do FGTS, 13º. Salário proporcional, férias proporcionais, e levantamento do saldo do FGTS), dando-se a chamada despedida indireta, por falta grave do empregador, implicando em direito do empregado. É o que se tem do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto Lei 5.452 de 1º. de maio de 1.943), que todos trabalhadores lembram como louvável norma jurídica do então ditador Getúlio Vargas.

Doutra parte, como obrigação do trabalhador e da trabalhadora, tem-se as suas obrigações, as quais se não cumpridas permitem que o empregador o demita por justa causa (falta grave), sem direito às verbas indenizatórias (como já tratado acima). São estes: ato de improbidade e incontinência de conduta ou mal procedimento; negociar habitualmente no ambiente de trabalho, em concorrência à empresa; condenação criminal sem suspensão da pena; desídia no desempenho de suas funções; embriagues habitual ou em serviço; violação de segredo da empresa; ato de indisciplina ou insubordinação;  abandono do emprego; prática de ato lesivo à honra ou agressão a colega de trabalho ou ao empregador, ou ofensa física (salvo em legítima defesa); prática habitual de jogos de azar; e perda de habilitação legal para o exercício das funções para as quais foi contratado.

Tais deveres estão esculpidos no “caput” do artigo 482 da C. L. T.  É verdade que a ditadura, para tirar de seu caminho dirigentes sindicais, editou o decreto lei 3/66, criando falta grave para a prática de atos atentatórios à Segurança Nacional, de duvidosa juridicidade, e com nenhuma aplicação hoje em dia.

Agora é que a pandemia está por merecer o título deste artigo. Para ver como interferiu na vida dos brasileiros, inclusive dos empregados, ensejando que a Justiça do Trabalho devesse decidir a respeito da recusa de trabalhador a ser vacinado contra o Coronavírus.

Recente Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho/SP confirmou sentença de primeira instância, que decidiu haver cometido falta grave, a empregada com funções na limpeza de Hospital, que recusou a ser vacinada, apesar de advertida anteriormente e bem esclarecida quanto à necessidade, tanto por seu ambiente de trabalho. Por isto, teria cometido falta grave de indisciplina, importando em despedida por justa causa (artigo 482, “h” da C. L. T.).

Trecho assaz importante do V. Acórdão transcrevo, a seguir.

“A bem da verdade, considerando-se a gravidade e a amplitude da pandemia, resta patente que se revelou inadequada a recusa da empregada que trabalha em ambiente hospitalar, em se submeter ao protocolo de vacinação   previsto em norma nacional de imunização, e referendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sobretudo se considerarmos que o imunizante disponibilizado de forma gratuita pelo Governo (vacina) foi devidamente aprovado pelo respectivo órgão regulador (ANVISA). Desse modo, considerando que a reclamada traçou estratégias para a prevenção da Covid-19, divulgou informações e elaborou programa de conscientização para assegurar a adoção de medidas protetivas e a vacinação de seus colaboradores, não se mostra razoável aceitar que o interesse particular do empregado prevaleça sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar vacina a reclamante realmente colocaria em risco a saúde de seus colegas da empresa, bem como os demais profissionais que atuam no referido hospital, além de pacientes, e seus acompanhantes.”

Autor advogado militante na Comarca de Rio Claro (OAB/SP 25.686).

E-MAIL: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

Publicado em 12/08/2021,  Jornal Cidade (Rio Claro/SP), Página 02.

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