POESIA & CARIDADE

“Les pauvres gens” (“Os pobres”, numa singela tradução) é poema que a genialidade do Francês Victor Hugo (1.802/1.885) brindou ao mundo em superior lição de caridade e de amor ao próximo. Além da beleza de sua literatura, que teve destaque acentuado, também em obras de prosa (Notre Dame da Paris, Os Miseráveis, etc.).

Sendo caridade dever do Cristão e, em verdade, de todos os homens, “Les pauvres gens”, muito me emocionou, desde quando fui aluno do Curso Clássico no Ribeiro, em 1.964. “Litterature Française”, o livro didático de Maria Junqueira Schmidt (Companhia Editora Nacional,1.961, 43ª. edição) foi adotado pela Professora Felicia Alem Alan, e trazia o poema sob comentário em sua página 30.

Desde sempre, na casa de meus pais, aprendi que o amor ao próximo, nos atos de caridade, é cumprimento eloquente do que ensinou Jesus Cristo, cujas lições são permanentes. Mais: que a prática da caridade há de ser discreta, sem que a mão direita fique sabendo da generosidade da esquerda.

Nesta publicação de “Les pauvres gens”, há nota em epígrafe, que não pode ser omitida: “A caridade social é um dever. Victor Hugo dá em belo exemplo no poema”.

O poeta nos diz que pescador, retornando de sua jornada no mar, proclama que sua vizinha, provavelmente tão pobre quanto ele, morreu, deixando duas crianças pequenas. Comenta consigo que, já tendo cinco filhos, sua situação não era das melhores, sendo nos dias em que a pesca rareava, às vezes passava fome.

Cogitando sobre o que fazer, admite que não estaria frente ao azar, mas em tarefa do Bom Deus. Recomenda que a mulher vá buscar as crianças, pois a vizinha estaria batendo em sua porta. E cabia-lhes abri-la para acolher os órfãos. Quando passariam a ter sete filhos. As crianças se darão bem com os cinco deles. Serão filhos e irmãos.

Necessitando de mais alimentos, o Bom Deus fará com que pesque mais. Beberá água e não vinho. Fará dupla jornada. E diz à esposa para buscar os órfãos, ao que esta, abrindo as cortinas, mostra-lhe as crianças já buscadas.

Ou seja, a mulher, sem muito pensar, e independente de consultar o marido (o que naqueles tempos não se fazia), já trouxera para sua casa os filhos da vizinha falecida, para viver com os seus cinco, em magnífico gesto de caridade, e de amor ao próximo.

E esta poesia tem-se servido de paradigma quando, em reuniões da Conferência Vicentina de São Dimas, questiona-se o que seja ato de caridade. Tenho sempre comigo uma cópia de “Les pauvres gens”, para ler nestas oportunidades. Dificilmente se verá melhor tratamento deste tema.

Ainda preciso registrar que esta poesia me acompanhou no vestibular para a Faculdade de Direito, ao final de 1965. No exame oral de Francês, o livro a que me referi acima, estava sobre a mesa do Examinador, já exatamente aberto na página 30. À época eu tinha o poema decorado. Hoje, nem tanto.

Mas sai-me muito bem no exame. Tanto na leitura como na tradução. Verdade que tendo estudado Frances naquele livro, talvez não fizesse prova má em outros textos. Confesso que fiquei emocionado e muito feliz. Também por isto, gosto muitíssimo do poema e de sua mensagem.

Oportunamente escreverei a respeito da Sociedade de São Vicente de Paulo, braço da Igreja Católica que se estende ao mundo inteiro, cuja missão é prestar ajuda material e espiritual aos necessitados.

 

“Les pauvres gens”

“ Notre voisine est morte.
Elle laisse ses deux enfants, qui sont petits.
L’un s’appelle Guillaume et l’autre Madeleine ;
L’un qui ne marche pas, l’autre qui parle à peine.
La pauvre bonne femme était dans le besoin.”
L’homme prit un air grave, et, jetant dans un coin
Son bonnet de forçat mouillé par la tempête :
“Diable ! diable ! dit-il, en se grattant la tête,
Nous avions cinq enfants, cela va faire sept.
Déjà, dans la saison mauvaise, on se passait
De souper quelquefois. Comment allons-nous faire ?
Bah ! tant pis ! ce n’est pas ma faute, C’est l’affaire
Du bon Dieu…
Femme, va les chercher. S’ils se sont réveillés,
Ils doivent avoir peur tout seuls avec la morte.
C’est la mère, vois-tu, qui frappe à notre porte ;
Ouvrons aux deux enfants. Nous les mêlerons tous,
Cela nous grimpera le soir sur les genoux.
Ils vivront, ils seront frère et soeur des cinq autres.
Quand il verra qu’il faut nourrir avec les nôtres
Cette petite fille et ce petit garçon,
Le bon Dieu nous fera prendre plus de poisson.
Moi, je boirai de l’eau, je ferai double tâche,
C’est dit. Va les chercher. Mais qu’as-tu ? Ça te fâche ?
D’ordinaire, tu cours plus vite que cela.
– Tiens, dit-elle en ouvrant les rideaux, lès voilà!”

 

O Autor é Advogado militante na Comarca de Rio Claro (OAB/SP 25.686) e Desembargador Aposentado (TJ/SP).

E-MAIL: oliveiraprado@aasp.org.br

Publicado em 08/08/2024,  Jornal Cidade (Rio Claro/SP), Página 02.

 

 

Você pode gostar...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *