ESTRANGEIROS & DOIS TERÇOS
Irineu Carlos de OLIVEIRA PRADO
Uma das poucas obrigações acessórias que a C. L. T. (Consolidação das Leis do Trabalho) trazia a empresas com mais de três empregados, aos tempos em que me iniciei na Contabilidade, há quase sessenta anos, era a chamada Relação dos Dois Terços. Verdade que já me afastei desta importante atividade, e que hoje as obrigações acessórias de natureza trabalhista são muitas.
Com efeito, até hoje estabelece o artigo 360 de nossa muito idosa C. L. T. (Decreto lei 5.452 de 1º./05/43, com múltiplas alterações), a obrigação das empresas com mais de três empregados, apresentar às Repartições do Ministério do Trabalho, entre 02 de maio e 30 de junho de cada ano, a relação de todos os seus empregados.
Esta declaração obrigatória, cujo descumprimento implica em multa, tem por finalidade demonstrar que a empresa está cumprindo mandamento dos artigos 362 e seguintes da C. L. T., que estabelece a obrigatoriedade de dois terços dos empregados serem brasileiros, proporcionalidade que deve ater-se, também, à folha de pagamento. O que permite concluir: dois terços dos empregados devem ser brasileiros, e dois terços do total da folha de salários deve ser pago aos nacionais.
Ao meio desta proporcionalidade, estabelece o artigo 358 da C. L. T. que, de regra, o salário do brasileiro, em função análoga, não pode ser inferior ao do estrangeiro. E o parágrafo único deste artigo assegura que, em caso de redução ou falta de serviço, o despedimento do estrangeiro deve preceder ao do brasileiro, em função semelhante.
Este tema veio-me à mente com a leitura de notícias do Estadão. Na página B 12 da edição de 22.12.24 (“Ação Resgata 163 operários em canteiro da BYD”). Ocorreu-me que, se a montadora chinesa em Camaçari trata seus empregados, talvez chineses, como quase escravos, o que foi em boa hora proibido e evitado pela Fiscalização do Trabalho, será que a poderosa empresa da China vai respeitar a Lei dos Dois Terços?
Outra notícia, de 25/12/24, página B 3 do Estadão (“Nova fábrica traz esperança de volta aos bons tempos da Ford”), aplica-se à mesma multinacional iniciando operações na vizinha Iracemápolis, sobre cuja fábrica não se tem notícia de descumprimento de legislação trabalhista, é verdade.
Sabendo-se que na China as condições de proteção ao ambiente de trabalho, bem assim níveis salariais deixam algo a desejar, preocupa-me pensar que esta multinacional Chinesa, assim como outras, bem poderiam trazer para suas fábricas brasileiras, trabalhadores chineses, dentro do básico princípio capitalista de, com o menor custo, chegar ao maior lucro.
Está aqui uma boa preocupação para os Sindicatos da categoria, se é que já não pensaram nisto.
É claro que empresas estrangeiras devem ser, sempre, bem vindas. Como dizia Roberto Campos, o importante é onde está localizada a fábrica, onde os empregados trabalham e são remunerados, e onde os tributos são gerados. A Matriz, ou a sede, pode bem ficar na China.
Importante lembrar que as empresas multinacionais sempre foram exemplares no cumprimento de suas obrigações fiscais e trabalhistas. Em especial as montadoras que já estão no país, e que todos conhecemos, com fábricas no Brasil, há décadas.
A BYD não há de ser diferente, espera-se. Com firmes votos de sucesso e de respeito aos trabalhadores. Dois terços brasileiros, claro.
O Autor é Advogado e
Desembargador Aposentado (TJ/SP).
E-MAIL: oliveiraprado@aasp.org.br

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