ANIVERSÁRIO A ESQUECER

Em 5 de abril, meu Pai, se vivo fosse, completaria 99 anos. Em abril de 64, seu aniversário não teve comemoração. Na madrugada do dia em que completaria 42 anos, foi levado preso de sua casa, sem culpa formada, nem ordem judicial.

Ele era Vereador e 2º. Secretário da Câmara Municipal, o mais votado nas eleições de 1963. Havia sido diretor do Sindicato dos Ferroviários, e era filiado ao P. T. B. (Partido o presidente deposto, João Goulart).

Isto foi suficiente para que os “revolucionários”, arbitrariamente, tirassem sua liberdade. Fizeram o mesmo com outros tantos, em todo o país, torturados e assassinados. Com meu velho Pai – Graças a Deus – mais estas maldades não se deram.

Irineu Pai ficou preso por 15 dias, na Cadeia Pública de Piracicaba, o que a família só soube quando uma santa alma telefonou para meu Tio João em Jundiaí. Até então não se sabia onde a prisão estava-se dando.

Com dificuldades (chá de cadeira e “está em reunião”), eu e meu Tio João de Oliveira Prado logramos falar com o Prefeito Augusto Schmidt, em busca de ajuda e orientação, já que meu Pai era seu aliado na edilidade rioclarense. Nem apoio moral obtivemos (“Não quero me envolver”).

Se do principal aliado não conseguimos apoio, dos menores e dos adversários menos ainda. Tanto que a Câmara Municipal, sem direito de defesa, e a pretexto de que o velho Irineu e outros tantos vereadores e suplentes seriam subversivos, cassou-lhes o mandato que o povo da Cidade Azul lhes outorgara. Certo que suplente não dispõe de mandato.

Tio João, Chefe da Estação de Jundiaí Paulista, foi ao Comandante de uma das unidades daquela Praça de Guerra. O General, consultando seus arquivos, constatou que nada havia contra o ferroviário injustamente preso, determinou fosse ele colocado em liberdade, e entregue em sua residência.

Porém, à injusta e arbitrária prisão, por gestões de um desafeto, sua empregadora, a Paulista, sociedade de economia mista, administrada pelo governo Estadual, sendo Governador o famigerado Adhemar de Barros (logo cassado por corrupção) não deixou por menos. Determinou que se instaurasse Inquérito Trabalhista para Apuração de Falta Grave, também contra outros dez ferroviários de diversas cidades, igualmente vítimas do mesmo delator. Tal processo judicial era condição para, em sendo procedente, determinar o despedimento por justa causa, pois todos eram estáveis (ainda não existia o FGTS).

Com isto Irineu ficou 27 meses sem receber salários, obrigando-se a fazer bicos como pedreiro, carpinteiro, vidraceiro e outras tantas ocupações que garantissem o sustento de sua família. A mim isto implicou que deixasse de frequentar o 3º. Ano do Curso Colegial Clássico pela manhã, para trabalhar. Evidentemente minha formação escolar foi prejudicada.

O Inquérito foi julgado improcedente, e Inquérito na Polícia Federal foi arquivado.

A Edilidade acabou reconhecendo que errou, conferindo aos cassados manifestação de reparo moral, há alguns anos. Na sessão tive a honra de proferir longa oração em nome de meus familiares (Irineu já partira para a Mansão dos Justos), publicada na Revista do Arquivo Histórico, contando as consequências da notória injustiça. De como os conhecidos afastaram-se de nossa família, diante da pecha de ex-prisioneiro do seu chefe, e outros padecimentos bem previsíveis e notórios.

Depois deste terremoto que a todos da família abateu, meu pai ainda foi eleito Vereador por mais dois mandatos, e homenageado pelo Município, emprestando seu nome para a Praça Irineu de Oliveira Prado – Ferroviário e Sindicalista, na rua 14 com avenida 26 (Santana).

O aqui relatado não é apenas para dizer que tenho – assim como meus irmãos e outros da família – orgulho da vida pública de meu querido Pai. É muito mais para lembrar aos infelizes desmiolados que pedem por ditadura militar o quanto esta foi nefasta: cassações e prisões sem direito de defesa, de senadores, deputados, governadores, prefeitos, Ministros do Supremo Tribunal Federal, e outros tantos que os ditadores de plantão entendiam como seus inimigos. Muitas vezes com tortura e morte.

A verdade é que não podemos retroceder. Melhoremos a qualidade de nossos votos. DITADURA NUNCA MAIS.

 

Autor é Advogado militante nesta Comarca (OAB/SP 25.686).

 E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

 

Publicado em 08/04/2021,  Jornal Cidade (Rio Claro/SP), Página 02.

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2 Resultados

  1. Ester disse:

    Que história hein amigo, parabéns pelo texto. A gente que não viveu isso, jamais poderia imaginar.

  2. Carlos Messias de oliveira disse:

    Excelente. Nascido em 1951, apesar de adolescente na época, tive amigos tirados da pensão, em SP capital, e nunca retornados. Com 18 anos parti, c mochilas e sem $ pelas Américas do Sul e Central, pois o clima estava sombrio.

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