HABEAS CORPUS COMENTADÍSSIMO

Refiro-me ao Habeas Corpus que foi concedido liminar e monocraticamente pelo Ministro Marco Aurélio Mello, em favor de conhecido condenado. Posteriormente objeto de revogação por despacho do Ministro Luiz Fux, e pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

O Impetrante tem um triste e longo histórico de crimes e condenações. Consta ser um dos chefões do P. C. C. (Primeiro Comando da Capital), facção atuante no narcotráfico.

Fala-se que no escritório dos advogados do Impetrante trabalha antigo assessor do Ministro Marco Antônio de Mello. E comenta-se que, por razões pouco claras (quiçá por conhecer o entendimento deste Ministro), foram impetradas nove ações, até que a distribuição coubesse ao Ministro que concedeu o H. C.

Os advogados aproveitaram-se de uma falha do sistema de Distribuição eletrônica, para que a Relatoria viesse a caber exatamente para o Ministro que concedeu a ordem de H. C.

Em São Paulo, no Tribunal de Justiça, há muitos anos, o proceder atrás explicado é impossível. Ocorre que a primeira ação distribuída, após protocolo, vai determinar o Relator do Processo. Não adianta desistir do que foi distribuído para Relator que não agradar. As ações que se seguirem, sendo as mesmas partes e com o mesmo objeto, automaticamente terão como Relator o já prevento pela primeira distribuição.

Sua Excelência, como já fizera em outras ações semelhantes, liminarmente, ou seja, sem ouvir outros Ministros ou o Ministério Público, concedeu a ordem pleiteada. Colocou em liberdade o condenado em pelo menos dois processos, em segunda instância, o qual havia sido preso após estar foragido por anos.

A decisão, que depois foi revogada, teve por base o artigo 316 parágrafo único do Código de Processo Penal (“decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena e tornar a prisão ilegal. ”).

Na verdade, os processos não mais estavam ao alcance do Juiz que decretou a prisão preventiva, pois em grau de recurso. Não se sabe, assim, como o Magistrado de primeiro grau poderia cumprir a previsão legal, em dispositivo que foi acrescido pelo Congresso Nacional, ao Projeto de Lei do Ministro Moro.

É evidente que, anulada a concessão do Habeas Corpus, o Impetrante não voltou incontinenti à prisão, de onde saiu, tranquilamente, pela porta da frente. No mesmo dia já estaria nalgum país vizinho.

Fosse eu o juiz do caso, consultaria o Magistrado de primeiro grau (que não mais seria o prolator da prisão preventiva, pelo tempo decorrido), e daria vista dos autos ao Ministério Público. Afinal de contas, o mesmo cuidado que o Magistrado deve ter para decretar a prisão, precisa ter para colocá-lo em liberdade.

Mais dois ou três dias de espera, nenhum grande prejuízo adviria, já que mais de noventa teriam sido decorridos do decreto de prisão preventiva. O Magistrado poderia informar o cumprimento do parágrafo único do artigo 316 do CPC) e razão haveria para indeferir o H. C. Sem dizer que duas penas elevadas em segunda instância, só recomendariam ficar preso o Impetrante de tantos e nada recomendáveis antecedentes. Por outro lado, sem que fosse reafirmada as razões da prisão preventiva – em resposta à informação solicitada, aí sim ilegal a prisão, e de mister a concessão da Ordem de HC.

Recuso-me a supor que outros motivos além da  apressada interpretação da Lei, tenha ensejado a decisão que tanta celeuma provocou. E que, felizmente, foi revogada.

Pode ser que a culpa seja da Lei, ou de seu intérprete. Mas o certo é que nada acontecerá, se não o já acontecido.

 

 Desembargador Aposentado (TJ/SP) e

Advogado militante nesta Comarca (OAB/SP 25.686).

E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

WWW.oliveirapradoadvogados.com.br

 

Publicado em 22/10/2020,  Jornal Cidade (Rio Claro/SP), Página 02

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