PODE PIORAR?

Com tristeza, na VEJA que recebi no sábado passado (edição 2.689), deparei com a seguinte manchete de capa: “Isolados. Descontrole da pandemia. Arroubos autoritários e caos institucional mancham a imagem do Brasil no exterior e colocam o país na contramão do mundo civilizado. ”

Então, pergunto aos meus poucos e heróicos leitores: pode ficar pior? Gostaria que não, e que melhorasse. Mas deparo-me com algumas fortes dificuldades.

Começo pela Covid-19 e pelo coronavírus. Se os governadores estaduais fazem das tripas coração, para construir hospitais de campanha, equipar os existentes e, sobretudo estabelecer regras para a recomendada quarentena, além pregar que a circulação de pessoas seja reduzida, em nível federal assim não se dá. Sobretudo não temos um cuidado centralizado da pandemia. O que caberia ao Ministério da Saúde.

O Chefe do Poder Executivo prossegue no entendimento de que a pandemia é de uma simples gripezinha. Circula sem máscara, junta-se à multidão, dá as mãos e abraça todos que estão por perto. Além do mais, apega-se na suposição de que Cloroquina é remédio quase milagroso que deve ser aplicado a todos os doentes, desafiando a ciência mundial (sem resultados concretos nos estudos a respeito) e, contrariamente ao que defenderam dois ministros da Saúde, que deixaram a pasta, em apenas dois meses. Com isto, faz pouco do isolamento, defendendo que se volte ao trabalho – afastando-se da quarentena – para o bem da economia. Nisto se esquece que o mau desempenho da economia, com sacrifícios – já bem conhecidos dos brasileiros –  pode ser enfrentado, e superado. Aos trinta e tantos mil mortos, entretanto, só se pode chorar por eles e consolar seus familiares.

E o pior. Estamos há quase um mês sem Ministro da Saúde. O substituto, em exercício, é um conceituado General. O que por si só não é despropositado. Afinal José Serra foi Ministro da Saúde de Fernando Henrique, e não foi dos piores. Torçamos para que isto agora se repita.

Preocupa-me é termos perto de vinte colegas de farda do Ministro, nos mais diversos postos do Ministério. Quiçá todos sem experiência ou conhecimento no trato da saúde pública. Que o Senhor coloque um exército de Anjos da Guarda a proteger-nos destas autoridades da saúde.

Está bem claro, pelo divulgado na mídia, que o Ministro Moro demitiu-se porque o Presidente queria, porque queria, indicar diretor da Polícia Federal, sabe-se lá com que intenções. Mas isto acabou em Inquérito, que levou à divulgação do vídeo da reunião ministerial de 23 de abril.

E nesta reunião, onde nada se decidiu, até porque sua pauta era desconhecida, os brasileiros devem ter sido vítimas de grande decepção. Viram como se comportam o presidente e seus ministros: palavrões presidenciais de todo tamanho, xingamento de autoridades do Poder Judiciário, e propostas de decretos mais ou menos ocultos, aproveitando o barulho causado pela pandemia.

Mais. O Presidente da República, que em sua posse jurou respeitar e fazer cumprir a Constituição, não respeita o Poder Judiciário. Todos viram e ouviram quando disse, em face de decisões do Supremo Tribunal Federal que não lhe agradaram, que não mais suportaria ser desautorizado por Ministro do Supremo. À possibilidade de se apreender seu celular, afirmou que a prosseguir a “perseguição”, iria reagir.

E pergunto eu. Como seria a reação? Com as Forças Armadas (que insinua estarem a protegê-lo, mas não estão), ou com a população armada, como pregou naquela reunião teratológica. Ao que se sabe, as Forças Armadas estão longe de rebelarem-se e contribuir para romper a legalidade e a constitucionalidade na política e na vida da população. O artigo 142 da Constituição Federal não estabelece que as forças armadas sejam milícia presidencial.

Temo que as atitudes erráticas do Presidente Capitão, que apregoa sua conduta honesta como se fosse qualidade única, e não obrigação, acabem provocando seus adversários, e que o Presidente da Câmara dos Deputados dê seguimento aos trinta pedidos de impeachment que estão sobre a sua Mesa.

Não se diga que isto não lhe tenha causado preocupação, com possível impedimento (artigo 86 da Constituição Federal). Tanto que está fazendo acordo com parlamentares do chamado Centrão, nomeando seus indicados para altos cargos federais, a fim de garantir falta de quorum (voto de 2/3 de seus membros) para autorização da Câmara dos Deputados (513 parlamentares), e posteriormente ser processado perante o Senado. Por voto de maioria qualificada (54 dos 71 senadores).

Tenho que o Presidente, ao se aproximar da multidão de manifestantes que pregam o fechamento do Congresso, o fim do S. T. F., retorno das Forças Armadas ao Poder, deixa transparecer que está de acordo com a manifestação, sendo isto atitude gravíssima. E não só pela possível transmissão do coronavírus.

Parece que os manifestantes não se deram conta que, se por triste sina do país, o que pregam seja acolhido, nunca mais farão – livremente, como hoje – manifestações semelhantes. Simplesmente porque a Ditadura não permite o contraditório. A recente história do Brasil, pós 64, é muito eloqüente, a respeito.

Pelo que lembro, e por outro tanto que os leitores haverão de se lembrar, espero que Deus nos ajude, para que não se cumpra o dito popular, de que nada é tão bom que não possa ser melhorado, nem tão ruim que não possa ser piorado.

 

O autor é Desembargador Aposentado (TJ/SP)

e advogado militante nesta Comarca (OAB/SP 25.686).

E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

 

Publicado em 04/06/2020, Jornal Cidade, Página 02.

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1 Resultado

  1. Ester disse:

    Mto mais parabéns. Tudo o que foi escrito (brilhantemente), são expressões que eu, assim como tantos outros, gostaríamos de emitir, mas não saberíamos fazê-lo, c tanta sabedoria e conhecimento. Tenho orgulho de vc.

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