JUIZ DE GARANTIAS

Estamos diante de mais uma ocasião em que opera o vezo brasileiro de achar que tudo se resolve por edição de Lei. É o caso da Lei 13.964/19. Este diploma legal, além de alterar disposições dos Códigos Penal e Processo Penal, e também de outras leis relacionadas ao direito penal, criou o tal de Juiz de Garantias, ensejador de controvérsia nacional.

Pessoalmente, superadas as dificuldades econômicas, constitucionais e de implantação que tratarei a seguir, não vejo a novidade como grande entrave à Justiça Criminal.

Mas as dificuldades são praticamente insuperáveis, merecendo destaque a Ação Direta de Inconstitucionalidade que a Associação dos Magistrados Brasileiros aduziu perante do Supremo Tribunal, sob fundamento que disposições da referida lei, especificamente no que diz respeito do Juiz de Garantias, ofendem a Carta Magna.

O prazo de trinta dias para a implantação da novidade que estamos tratando, enseja enorme impossibilidade. País de dimensões continentais, 27 unidades da Federação, e respectivos Tribunais de Justiça, apenas quanto a Justiça Estadual, com milhares de Comarcas. Sem considerar as Varas Federais. Tudo a inviabilizar implantação no prazo de 30 dias que o Congresso, afoitamento estabeleceu.

Por outro lado (o que o prazo não permite), vai-se realizar concurso para admitir milhares de magistrados? Afora o custo disto, em época de contenção orçamentária, somando-se ao curto prazo fixado, vejo dificuldade próxima do impossível.

Pode-se supor que ambas atividades jurisdicionais (a atual de presidir os inquéritos policiais, e julgar, bem assim a nova de só cuidar de uma ou outra) possa ser dividida. Ficando cada Juiz de cuidar de uma parte do procedimento judicial criminal.

Quando se pretender que o Magistrado hoje titular de Vara Criminal passe a atuar como Juiz de Garantia, o mesmo estará sendo removido de suas funções. E uma das garantias constitucionais da Magistratura é justamente a inamovibilidade (Constituição Federal, artigo 95, II). Ou seja, salvo sua concordância, o Magistrado Criminal não pode ser convertido em meio Juiz, para assim não mais julgar. Não condenar ou absolver os acusados. Elevada oportunidade em que o Homem, investido como Juiz de Direito, dispõe de poderes que se aproximam daqueles do Supremo Julgador, na medida em que dirá, na sentença quem deve ser condenado (o pecador), e quem é inocente (não pecador).

Aguarde-se, pois, o que o Supremo Tribunal Federal vai decidir se pode prevalecer o que diz a Lei em tela, criando Juízes de Garantias para cuidar de colheita de provas em Inquérito Policial, sem julgar o acusado, quanto ao crime que lhe é atribuído.

Os defensores da novidade, especialmente congressistas que acrescentaram a novidade no Projeto original da Presidência da República, advogam que da forma apresentada, o julgador, sem ter conduzido a colheita de provas produzidas no Inquérito Policial, terá isenção para julgar.

A bem da verdade este fundamento não prospera. Casos de parcialidade dos Magistrados, hoje, julgam processos criminais, em que presidiram os Inquéritos Policiais são mínimos e quase inexistentes. E isto a dezenas de anos (Nosso Código de Processo Penal é de 1.941). Esta questão só foi levantada pelos “inocentes” condenados pelo Dr. Moro, quando Juiz Criminal em Curitiba.

Por fim, recomendo aos leitores que leiam a entrevista do Ministro Sérgio Moro, no Estadão do dia 13 último, página A 4 que, superiormente, esclarece a questão aqui tratada.

 

Autor é Desembargador Aposentado (TJ/SP) e

Advogado militante nesta Comarca (OAB/SP 25.686).

E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

www.oliveirapradoadvogados.com.br

 

Publicado em 16/01/2020, Jornal Cidade, Página 02

 

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