LIMITADOS PODÊRES DO MAGISTRADO.

 

Os fatos deram-se por volta de 1983, quando atuava eu como Juiz Auxiliar da Capital Paulista, nas 3ª. e 4ª. Varas Distritais da Casa Verde.

Mais ou menos dois ou três anos depois, as Varas Distritais de Casa Verde, Tucuruvi, Santana e Vila Maria, foram transformadas nas Varas Regionais de Santana, agora já com competências específicas: Cíveis, Criminais, de Família, e de Menores (na denominação da época, e hoje da Infância e Juventude).

O certo é que numa das varas da Casa Verde, veio até mim uma Ação de Divórcio, sob fundamento de que a Ré cometera adultério, a justificar a procedência da demanda, por culpa da mulher.

Estudando os autos, logo após a distribuição, pude ver que o marido já ajuizara – sem êxito – ação rigorosamente igual, em vara de Família do Centro. E, sem que o vencido tivesse apelado, a decisão transitara em julgado.

Seria o caso de extinguir-se o processo, com indeferimento da petição inicial, como de fato assim decidi.

Porém, o curioso era a sentença irrecorrida da Vara de Família Central, proferida pelo Dr. Ranulpho de Mello Freire, hoje desembargador aposentado. Dr. Ranulpho foi quem instalou a 2ª. Vara da Comarca de Rio Claro, então de competência plena, no começo dos anos 60.

Magistrado afeito a estudos, atencioso para com todos. Não deixava de conversar com as partes e seus procuradores. A todos tratava com elevada lhaneza. Residia na Comarca de Rio Claro, com sua família. Sua promoção para a Capital deixou saudades ente todos os que militavam na Justiça. Mas, mesmo em São Paulo, agora menos, mas com boa frequência, vinha a Rio Claro visitar seus amigos e os filhos destes, em grande número.

Aqui, por algum tempo, foi professor em nossa antiga Faculdade de Filosofia, bisavó da atual UNESP, Campus de Rio Claro. Suas aulas eram muito apreciadas, e todos os seus alunos as aguardavam.

A decisão sob comentário, proferido por Dr. Ranulpho, tão sucinta quanto clara, não poderia ser julgada procedente, eis que o adultério de mulher e ré não resultou provado.

Sobre suas sucintas (conquanto claras e bem fundamentadas), certa feita Dr. Ranulpho comentou comigo e outros dois colegas (os saudosos Francisco Alberto Marciano da Fonseca e Theophilo Carlos Vessoni de Siqueira), hoje já na eternidade, que havia recebido advertência do Tribunal para que proferisse sentenças mais longas. Em resposta à nossa indagação sobre o que fizera, então, disse-nos Dr. Ranulpho que passara a datilografar em espaço três. Sendo comum na época das heróicas maquinas de escrever, que se datilografasse em espaço dois. Aumentado, por conseguinte, o “tamanho” da decisão sentencial. Sobre o relatório da sentença, no que não gastava mais que cinco linhas, dizia que o interessado no relatório que lesse o processo.

Sobre a sentença na Ação de divórcio, as testemunhas inquiridas afirmaram que a mulher havia descumprido seu dever de fidelidade ao marido, por informação de um tal Manoel. Quando indagadas quem era Manoel, e onde se encontrava, era-lhe dito que o mesmo estava morto há anos.

Ao decretar a improcedência da Ação, o Magistrado argumentou – sabiamente – que não poderia valer-se do informado pelo morto às testemunhas. E que, jocosamente, não poderia dispor de poderes mediúnicos para trazer Manoel à sua presença, pelo que outro não poderia ser o destino da demanda, se não a improcedência.

Ainda acadêmico, não tive a felicidade de trabalhar com Dr. Ranulpho. Embora nas eleições de 1966, quando secretário de uma das Mesas Coletoras de Votos, juntamente com os demais convocados, assistimos palestra do Juiz Eleitoral, jurisdição que lhe foi destinada porque o Dr. Luisinho Arruda estava impedido, já que tinha um parente candidato.

Tenho certeza de que muitos de Rio Claro (talvez um pouco menos pelo decurso do tempo), gostariam de mais ver Dr. Ranulpho, para quem desejo longa vida.

Autor é Desembargador Aposentado (TJ/SP) e

Advogado militante nesta Comarca (OAB/SP 25.686).

E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

WWW.oliveirapradoadvogados.com.br

Publicado em 05/12/2019, Jornal Cidade, Página 02

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