FUGA DO ALBERGADO

Nos primeiros anos da década de 1970, mercê da vertente humanitária do doutor Luis Gonzaga de Arruda Campos, Dr. Luisinho para todos que o admiravam – admiração unânime de todos seus jurisdicionados – já desenvolvia na Cadeia Pública local, um avançado e frutífero trabalho de ressocialização.

Verdade que nossos detentos eram condenados ou acusados de crimes de menor potencial ofensivo, como se diz hoje em dia. E que o Corregedor Permanente do presídio era o Juiz de Direito da Primeira Vara, cumulativa, então. Justamente o Dr. Luisinho.

Sem Lei autorizativa (a das Execuções Criminais, que é muito mais recente) havia prática de ressocialização muito avançada. Com base na intuição e bondade de Dr. Luisinho, o Juiz Corregedor, muitos detentos voltaram a ser úteis aos seus e à sociedade.

Aos reeducandos que se mostrassem interessados e com perfil de aparente desejo de se recuperar, eram oferecidas oportunidades para trabalho fora do presídio durante o dia, recolhendo-se à noite a suas celas, ou mesmo num simples alojamento construído pela comunidade, que se chamou de Albergue.

Aos albergados a Assistência Social São Vicente de Paulo, com verbas estaduais, montou uma fábrica de vassouras, e outra de alambrados. A renda era distribuída entre os que nelas trabalhavam.

Vicentinos e Vicentinas da Conferência de São Dimas visitavam-nos nas celas, e aos seus familiares, nas residências. Eram, em sua grande maioria, de Rio Claro. Sabia-se da vida de todos. Até se previa os que haveriam de fugir desta rotina de regime semi-aberto, como seria chamado hoje.

O interessante, digno de se ressaltar, é que Dr. Luisinho não admitia excesso de lotação em nossa Cadeia Pública. Ultrapassada a lotação (120, se bem me lembro), era solicitada a remoção do excedente para o Sistema Penitenciário (a cargo da Secretaria da Justiça, então), o que era de pronto atendido, pois Dr. Luisinho ameaçava colocar em liberdade número de detentos necessário para que a lotação não fosse superada.

Com estes esclarecimentos preambulares, vou contar sobre um reeducando albergado, cujo nome e fisionomia tenho bem guardados em minha memória, empreendeu fuga. O que o Grupo lamentou, pois sua pena estava com pouco tempo para findar.

Mas não é que, dois meses depois, sob o Viaduto Santa Ifigênia, na Capital de nosso Estado, eu e o fugitivo nos encontramos. Encontro de bater peito com peito. Disse-me que um dia iria me explicar o que aconteceu, e saiu correndo. Correndo muito. Parecia até que suas pernas descreviam rodas, como se via em desenhos animados.

Quiçá tenha ele suposto que eu fosse detê-lo. O que seria absurdo, dado que eu era apenas um dos voluntários da Conferência de São Dimas. No máximo, iria conversar com ele, se me permitisse.

Decorridos alguns meses, eis que eu o encontro recolhido a uma cela do presídio local. Disse-me que nem se mudou de bairro, com a família, em São Paulo e vivia tranquilamente. Foi a uma padaria próxima, comprar leite para sua filha. Houve briga no estabelecimento, envolvendo outros fregueses. A Polícia chegou, exigindo documentos de todos, e ele não os tinha. No Distrito havia mandado de prisão, e ele acabou voltando para Rio Claro, a fim de cumprir o restante da pena que lhe foi imposta pela Justiça Criminal de Rio Claro.

Ainda vou escrever sobre a Sociedade de São Vicente de Paulo, a Assistência Social São Vicente de Paulo, a Conferência Vicentina de São Dimas e outras Conferências desta Sociedade que atua no amor aos necessitados, no Brasil e em quase todo o Mundo.

 (O Autor é Desembargador Aposentado (TJ/SP) e

Advogado militante nesta Comarca (OAB/SP 25.686).

E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

WWW.oliveirapradoadvogados.com.br

Publicado em 05/09/2019, Jornal Cidade, Página 02

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