ACIDENTES PROVOCADOS (2)

Há duas semanas, exatamente a 7 do corrente mês, esta mesma e prestigiosa “Cidade” publicou artigo de minha autoria, com o mote “Acidentes não acontecem, são provocados”, como preconizava a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), da antiga e saudosa Companhia Paulista de Estradas de Ferro, e relativo à tragédia de Brumadinho.

E não é que agora, mais uma notícia assaz triste, de outra catástrofe, acaba de acontecer. Desta vez implicando em morte e sérios ferimentos em grupo de jovens futuros craques do Flamengo Futebol e Regatas, agremiação do Rio de Janeiro, cuja tradição ultrapassa os limites cariocas e nacionais. E que se jacta de ter a maior torcida brasileira.

Trata-se, como sabido, do incêndio ocorrido no Centro de Treinamento chamado – e não se perca pelo nome – Ninho do Urubu.

É de pasmar que Clube de elevada capacidade financeira, que adquire passe de futebolistas famosos por milhões de dólares ou reais, enfurne num container, jovens aspirantes da fama e consagração como futebolistas, ignorando o tesouro que tem sob sua responsabilidade. Não apenas pelo talento e futuro, mas também pelo nada desprezível investimento que os garotos representam. Dentro de alguns anos estes seriam “vendidos” no mercado do futebol por fortunas, a custo zero para o rubro negro.

E a venda, no jargão do mundo da bola, é bem a medida do tratamento de escravos que o Flamengo (e muitos outros clubes), destina aos seus jogadores de base.

Com efeito, container é equipamento próprio para acondicionar cargas, a serem transportadas por veículos a isto destinados. Seu uso como residência, ou alojamento de jogadores e mesmo trabalhadores (como muito acontece), é – no mínimo – desumano. Seja pelo seu destino original, seja pela limitação de entrada e saída, ventilação, etc. Mesmo adaptado, oferece riscos nessa improvisação. Como de fato apareceram, com vítimas fatais.

Ocorre que, além da responsabilidade e possível punição dos diretores do famoso Clube, por terem culpa na ocorrência do evento danoso, o que parece claro, quer na esfera Civil (indenização) ou Penal (condenação criminal), os garotos que se foram e jamais serão craques, com seus sonhos frustrados, e nunca voltarão ao convívio dos seus

Soube-se, só agora, que o Clube já havia sido notificado pela Municipalidade Carioca dezenas de vezes, indicando a inadequação do alojamento. Havia, ainda, ação do Ministério Público, visando a interdição do local.

Estranho é que nada se fez antes. E providências posteriores ao sinistro, para proibir a entrada de menores no Centro de Treinamento e, ainda, interditar o local, só mostram que o alojamento apresentava-se inadequado, e que, tanto a Prefeitura quanto outras autoridades foram omissas, por não terem tomado providências, que só vieram depois do triste evento.

Evidenciam ademais, que a diretoria do rubro negro sabia das irregularidades, nada fazendo, até que o pior, bem previsível, acontecesse. Se o sistema do ar condicionado estivesse em ordem, se o local se mostrasse adequado, se a interdição tivesse sido realizada antecipadamente, o previsível não teria acontecido.

Sintomático, ainda, que todas as vítimas sejam das camadas mais pobres da população.

Espero que a punição dos responsáveis – ainda que pela lei de Deus – e as lágrimas dos familiares dos garotos cujas aspirações foram queimadas, evitem novas desgraças desta ordem, e que bem podem ser evitadas.

O Autor é Desembargador Aposentado (TJ/SP) e

Advogado militante nesta Comarca (OAB/SP 25.686).

E-mail: oliveiraprado@aasp.org.br

WWW.oliveirapradoadvogados.com.br

 

Publicado em 21/02/2019, Jornal Cidade, Página 02.

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1 Resultado

  1. Ester Teixeira disse:

    Excelente, como sempre. Parabéns amigo.

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